Azul safira, verde esmeralda, rosa fúcsia e amarelo dourado—nuvens de cores giram pelo ar enquanto risadas ecoam pelas ruas. Mãos estendem-se, espalhando tons em pó nos rostos, enquanto jatos de tinta líquida são lançados ao céu por pistolas de água. O ar está repleto de música, alegria e o aroma da primavera.
Este é o Holi—o festival das cores, uma celebração que transforma cidades e vilarejos por toda a Índia em telas vivas e pulsantes de tons vibrantes. O festival anual, que geralmente ocorre em março, marca a chegada da primavera na Índia. É um momento de renovação, alegria e união, onde as barreiras sociais se dissolvem numa névoa de cores e festividades.
O festival tem raízes profundas na tradição hindu, especialmente entre os devotos de Vishnu, também conhecido como Krishna. Segundo a lenda, Krishna deu início à estação ao brincar a espalhar cores na sua amada Radha e nas suas companheiras, as Gopis, nas terras sagradas de Vrindavan e Mathura—um ato de amor e travessura divina que é reencenado até hoje.
Com a chegada da primavera, a natureza também se junta à celebração. Com a neblina de Mumbai, as árvores Butea monosperma florescem em tons de vermelho intenso, enquanto nas ruas ao redor o Holi é celebrado com a família, amigos e, muitas vezes, até mesmo desconhecidos—com pós coloridos a serem espalhados sobre os entes queridos.
Unindo culturas
Num momento da história, o Holi foi mais do que apenas um festival hindu; foi um símbolo de inclusão alegre, colorindo até mesmo o mundo Mughal com os seus tons brilhantes.
Este verso evocativo, atribuído ao místico, poeta e estudioso do século XIV, Amir Khusrau, captura a essência do Holi:
Ó mãe, hoje é o dia das cores É um dia tão colorido na casa do meu amado
Khusrau, o místico muçulmano e discípulo devoto do santo sufi Hazrat Nizamuddin Auliya, que viveu na época do Sultanato de Delhi, representava uma tradição sincrética onde diversas culturas se fundiam. Até hoje, o dargah (santuário) de Nizamuddin em Delhi permanece um local de pluralismo, onde o Holi e o Basant, outro festival da primavera, são celebrados anualmente.
Esse espírito de harmonia religiosa foi ainda mais incorporado séculos depois pelo imperador Mughal Abu'l-Fath Jalal-ud-din Muhammad Akbar, mais conhecido como Akbar. Ele elevou as festividades a novos patamares, abraçando celebrações além da sua fé muçulmana. A corte de Akbar tornou-se um caldeirão de influências diversas, onde pessoas de várias crenças coexistiam.
O historiador Ali Nadeem Rezavi, no eu ensaio A dinâmica da cultura compósita (The Dynamics of Composite Culture), observa como classes profissionais e famílias nobres viviam próximas umas das outras, independentemente de sua religião. Ele menciona a amizade de Surat Singh, um oficial hindu de recolha de impostos, e Abdul Karim, um estudioso muçulmano—vizinhos de longa data em Lahore que personificavam o espírito de unidade hindu-muçulmana.
“As casas de nobres hindus e muçulmanos eram próximas umas das outras,” escreve Rezavi, “essa mistura de várias religiões no mesmo bairro não se restringia apenas às classes profissionais e mercantis.”
Viver próximo uns dos outros não era uma exceção, mas um padrão aceite nos centros urbanos Mughal, como Delhi, Agra, Surat, Lahore, Banaras e Cabul. O palácio imperial estava no coração dessa coexistência, onde práticas hindus e jainistas, incluindo o Holi, eram bem-vindas.
Reviver o Holi sob os Mughals
Akbar é considerado por alguns como o arquiteto da coesão social da Índia. Ele fez de tudo: desde alianças matrimoniais com filhas de chefes Rajputs hindus até ser iniciado em práticas jainistas de veneração ao Deus Sol e recitar 1.000 hinos ao amanhecer. Akbar encorajava as suas esposas de outras religiões a observarem suas festividades, como o Holi e o Diwali, transformando até mesmo o ibadaatkhanah, a sala de diálogo religioso da corte, num espaço aberto para debates inter-religiosos.
Uma de suas esposas, mais tarde conhecida como Mariam-uz-Zamani, nasceu como uma princesa Rajput hindu. Por suas ordens, o Holi era celebrado dentro do palácio imperial. Com o próprio imperador participando das festividades, estes costumes logo se espalharam além dos muros do palácio, sendo abraçados tanto por elites quanto por plebeus.
Sob os Mughals, o Holi não era apenas um festival hindu—ele adquiriu uma identidade persianizada e passou a ser conhecido como Eid-e-Gulabi (O Festival das Rosas). O termo gulabi refere-se não às rosas em si, mas aos delicados tons de pigmento rosa—reminiscentes das cores das rosas—frequentemente usados nas celebrações do Holi.
Como explica a historiadora Audrey Truschke no seu livro Cultura de Encontros - O sânscrito na corte de Mughal: “Os Mughals cultivaram uma imagem imperial multicultural e multilíngue que envolvia atenção repetida a textos sânscritos, intelectuais e sistemas de conhecimento.”
As elites e nobres, por outro lado, aprendiam formas de educação islâmica ao estudar persa, como Suraj Singh ou, mais proeminentemente, Chandra Bhan, o secretário imperial de outro imperador, Shah Jahan, que escrevia poemas em persa.
As sementes da interculturalidade foram plantadas em mais de uma esfera, e observar o Holi foi apenas uma parte disso; o Diwali foi uma extensão dessa narrativa.
Cores espalhadas
Capturando esse espírito de unidade religiosa sem fronteiras, o padre jesuíta António Monserrate, que visitou a corte de Akbar em Fatehpur Sikri no final do século XVI, descreveu vividamente o Holi na sua obra The Commentarius como um festival de alegria desenfreada, onde os foliões se encharcavam com jatos de tinta vermelha e até mesmo “atiravam lama” uns nos outros.
O filho de Akbar, Jahangir, que mais tarde se tornaria imperador, documentou o festival na sua autobiografia Tuzuk-e-Jahangiri, observando a grandiosidade das celebrações do Holi pelos hindus em todo o império: “O dia deles é o Holi, que na sua crença é o último dia do ano. Este dia cai no mês de Isfandarmudh, quando o sol está em Peixes. Na véspera deste dia, eles acendem fogueiras em todas as ruas e becos. Quando amanhece, eles jogam pó uns nos outros por uma vigília e criam uma incrível algazarra. Depois disso, eles lavam-se, vestem as suas roupas e vão para os jardins e campos.”
Foi numa época em que mehfils, ou encontros musicais, organizados nas cortes Mughal para marcar o festival, enchiam o ar. Rezavi, no seu ensaio, observa: “Surat Singh descreve uma sessão poética que ele participou naquela cidade [Agra] durante o reinado de Shah Jahan. No mushaira [recital de poesia], um número igual de poetas hindus e muçulmanos daquele período é descrito.”
Mantendo registos
Com o tempo, a documentação escrita das celebrações imperiais do Holi diminuiu, sendo substituída por pinturas em miniatura Mughal, que serviam como tela para registar os imperadores participando das festividades.
Ricas na sua narrativa visual, essas obras de arte tornaram-se importantes para entender a grandiosidade das celebrações na corte Mughal. Elas capturavam cenas de governantes a participar do Holi nos espaços abertos do interior do palácio ou zenana mahal, cercados por músicos, cortesãs e mulheres nobres, encharcados de cores, incorporando a vivacidade do festival.
Essas obras de arte temáticas do Holi, mehfils, mushairas e trabalhos poéticos oferecem uma janela para o cosmopolitismo Mughal e seu encontro transcultural, uma marca dos tempos indo-persas até o reinado mais conservador de Aurangzeb (1658 - 1707), que viu um afastamento de tais festividades públicas.
Foram os governantes que vieram depois, como Muhammad Shah Rangeela (1719 - 1748), que reviveram as tradições do Holi com ainda mais extravagância. O seu apelido, Rangeela, que significa "extravagante" ou "flamboyant", refletia o seu profundo amor pelas artes e cultura. Diferente de um governante movido por ambições militares, Muhammad Shah era um patrono da música, poesia e dos aspectos mais refinados da vida cultural—ganhando esse título distintivo.
Quando Bahadur Shah Zafar (1837–1857), o último imperador Mughal, subiu ao trono, o império já estava em declínio. No entanto, além do seu título imperial, Zafar é lembrado como um notável poeta urdu do subcontinente indiano. Um governante sensível e amante das artes, ele apreciava o Holi, que continuava a ser celebrado com grande entusiasmo em sua residência imperial, Qila-e-Moalla (O Palácio Exaltado), hoje conhecido como o Forte Vermelho em Old Delhi.
Durante o breve reinado de Zafar, o Holi adquiriu até mesmo outro nome poético—Aab-e-Pashi (Chuva de Flores Coloridas)—além de Eid-e-Gulabi, refletindo o seu profundo significado cultural. Delhi assumiu um aspeto festivo grandioso, com artistas itinerantes e cortesãs apresentarem-se durante dias, enquanto feiras e carnavais alinhavam as margens do rio Yamuna.
O próprio Zafar comemorava o Holi através da poesia, escrevendo:
Porquê encharcar-me com esguichos de cor?
Cuidado, meu príncipe - eu praguejo contra ti!
Este verso brincalhão captura tanto o espírito leve do Holi quanto o humor poético de Zafar, oferecendo um vislumbre da presença duradoura do festival mesmo em tempos de declínio.
Cores fragmentadas
A realidade de hoje, no entanto, é bem diferente.
Nas últimas décadas, a identidade da Índia—o país mais populoso do mundo—passou por mudanças significativas, com a identidade religiosa a emergir como um marcador dominante.
Eventos históricos, como o incidente da Babri Masjid e vários episódios de conflitos comunitários, fragmentaram a outrora forte unidade hindu-muçulmana. Como resultado, tem havido uma crescente relutância em ambas as comunidades em se misturar, levando a um renascimento do conservadorismo. A camaradagem que definiu a vida social nas primeiras décadas após a independência desgastou-se ao longo do tempo.
Embora a participação muçulmana em larga escala no Holi tenha diminuído, ecos do festival ainda podem ser encontrados em santuários sufis como o Dargah de Nizamuddin em Delhi e o Dewa Sharif em Barabanki—lembranças de uma era esquecida em que as pessoas, independentemente da fé, podiam espalhar cores sem hesitação.